Vejo quando os carros
se cruzam o eminente
acidente mortal
que pode acontecer.
Vejo no espelho
a minha cara,
como se estivesse sob
aquelas luzes
que mostram
o passado do rosto
no presente,
imperfeita.
Vejo na tinta negra
que a caneta deixa
correr, não o que
ela cobre, mas os
espaços que falhou
em preencher.
E, desta maneira, vejo
na vida e em viver
o que está morto
e o que pode morrer.
Sou através destas visões
irremediavelmente fantasioso.
Sou-o por não suportar
ver doutra maneira, nem desta
e por isso fecho os olhos
e vejo com o coração,
quando quero ver algo.
Doí-me mais assim.
A maior parte do tempo, fantasio
apenas.
Pisco os olhos e vejo desastre
de relance e na mente o desastre
destrói-me então crio, algo novo
dentro de mim e perco algo real por
fora.
Ao perder o mundo, ganho
o meu.
E assim vou pelo deserto...
O deserto é quente e eu sou escuro
e frio.
No tempo sinto-me só.
No espaço é o que vejo,
deserto desastroso.
À noite o vento corre.
Esbarra contra mim
com toda a dureza
de ser invencível e com
toda a delicadeza do
ar que me enche os pulmões,
ele relembra-me que
tenho corpo quando me
toca.
A areia relembra-me que
doí ter corpo.
O sol tortura-me porque
sou frio.
A lua ilumina-me e vejo
que estou morto.
Será na tortura cegante do
sol que devo aprender a
ver?
Ou é na fria verdade
da luz da noite que
devo aprender a sentir o sonho?
Tudo isto é tão bom quanto mau
É nesta antítese que vejo
progresso, pelo menos de olhos fechados, vejo.
Abro os olhos e o
desastre faz-me sentir
real e olho em volta
e só o corpo não mudou de
sítio.
Fecho os olhos e a mente voa.
Sinto e estou parado.
Realmente parado,
abastecido de todo o combustível
que faz queimar o sol,
rodar o universo e
viajar no Tempo.
No entanto, estou ainda
com os pés na areia
à porta do deserto, cá fora.
Abro os olhos e olho
os pés.
Não os vejo porque a
areia cobre os joelhos.
Não me vejo, porque não
há espelhos.
E se houvessem...
já nem sei quem sou.
Ganhei tanto tempo infinito
ao fechar os olhos, criei
tanto sem tornar real que
agora mesmo no
espelho já não sei quem
olhar.
Não sei se tenho olhos
azuis.
Não se se tenho
barba ou estou sujo
de mim.
Não sei se este sou
eu ou se nasci assim.
Fecho os olhos perante
o meu desastre.
Procuro conforto em
fantasiar antes de
dormir.
Já nem sei que fantasia
é minha.
Abro os olhos e o quarto
é escuro. E toda a eminência
da escuridão me cobre com o medo
de não saber para onde
olhar.
Fecho os olhos e não sei
onde estou.
Morri, por não saber
viver.
Morri.
Frio como vivi.
Distante como estava a
morte de mim, antes de
fechar os olhos.
E sozinho, como quem
se fechou num quarto
e enlouqueceu porque
não deixava ninguém
abrir a porta.
Morri verdadeiramente.
Agora nem Eu sou.
Nem Ser sou.
Não há ego.
Não há dor.
Não há cor.
Não há amor.
Não há tristeza.
Não há desespero.
Não há desastre.
Não há carros.
Não há espelhos.
Não há tinta.
Há, depois do meu fim,
uma criança que tenta
fazer rodar de novo
o Universo de que se
alimenta.
21:47- 22:30
Sem comentários:
Enviar um comentário